Prefácio
“La base de la formación del jurista es la su formación en la teoría general. Es más, estamos convencidos que en la ciencia del derecho todo lo que no es teoría general es contingencia, casi papel de desecho. (…) ya que casi siempre que estamos ante un verdadero problema jurídico estamos ante un problema de teoría de derecho”1
Quem sabe não fora eu a pessoa mais indicada para anunciar, em tom de prefácio, a proposta deste livro denso, cheio de conteúdo, mas tecido com a singeleza e a transparência dos textos que se pretendem compreendidos. Isso porque a intenção da Autora, desde o início, circunscreveu-se à ideia de organizar uma base ampla que servisse de sustentação para os desdobramentos daquilo que vem sendo conhecido como o constructivismo lógico-semântico, tal qual preconizada, a teoria, por Lourival Vilanova, que se apressava logo para advertir nada ter que ver a expressão com o constructivismo ético. O constructivismo de que falamos é método de trabalho, simples na sua concepção, mas objetivo e fecundo nos seus resultados, apto para explorar, com o rigor possível, as estruturas lógico-sintáticas do texto examinado, abrindo desse modo o caminho às atribuições de sentido, dentro delas as estipulações axiológicas tão vivas no ato cognoscente dos objetos da cultura. Óbvio que a dimensão pragmática não poderia estar ausente, pois a estabilidade das significações é uma função do uso e as relações entre signo e seus utentes são estudadas naquela instância. O nome da teoria, contudo, foi firmado em reação espontânea pelo eminente professor e sempre me pareceu mais fácil elucidá-lo do que empreender qualquer tipo de acréscimo.
Para que se emita juízo de valor sobre este projeto é preciso saber que a Autora dominou primeiro a adaptação de um feixe de proposições teoréticas ao campo do Direito Tributário para, somente depois, buscando os fundamentos e as articulações que toda a proposta intelectual reclama, encontrar os alicerces sistêmicos que marcariam, de forma superior, o vulto de uma Teoria Geral do Direito inserida, por inteiro, na Filosofia da Linguagem. Para compor o trabalho, procurou colocar-se no lugar de quem se depara com a teoria, pela primeira vez, o que não lhe custou muito, pois já passara por essa situação. Pensou, então, nas dificuldades que teve de enfrentar e como conseguiu superá-las, reduzindo complexidades e fazendo progredir o raciocínio em direção aos pontos fixados como propósitos derradeiros.
Pois bem. O conhecimento deste meio de aproximar-se dos objetos da experiência, em especial do Direito, faz muito está à disposição de todos aqueles que se animaram a travar contacto com a obra extraordinária do jusfilósofo pernambucano. A novidade, porém, se aloja na iniciativa de inserir o método proposto no contexto de uma concepção linguística mais acentuada, a qual, é necessário esclarecer, já está comodamente instalada nas dobras do pensamento do mestre, algumas vezes até de forma explícita. Com os temperamentos que possamos aduzir, a visão de mundo de Lourival Vilanova surgiu nos horizontes da linguagem, seja ela constituinte dos próprios objetos ou mesmo por ela implicados mediata ou imediatamente, sobretudo na região dos fatos sociais, inevitavelmente per- passados pelo elemento linguístico. Ainda que esteja subjacente a todas as construções, não foi essa a tônica predominante na sua potente e grandiosa maneira de conceber o Direito. Daí o caráter original do livro que agora prefacio: apresentar o constructivismo lógico-semântico dentro de uma filosofia da linguagem mais radical, exercitada e operada com força e determinação. E, mais ainda, oferecido o volume ao leitor na configuração didática de um curso, com sua feição abrangente e com os instrumentos pedagógicos que lhe são ínsitos. Aliás, nada melhor do que um curso para cobrir, de modo extensional, os conteúdos de determinado segmento do saber, topicamente distribuídos para obter o melhor rendimento na transmissão da mensagem cognoscitiva.
Ora, se pensarmos que há uma escola jurídica praticando tais categorias no campo específico do Direito Tributário, há mais de 20 (vinte) anos, bem se pode aquilatar a oportunidade e o papel histórico desta contribuição da jovem Professora Aurora Tomazini de Carvalho. Explica também a cláusula inicial desta apresentação, quando expressei que talvez não fosse eu a pessoa mais indicada para prefaciar o livro. O comprometimento que mantenho com as linhas noéticas deste projeto é sabido e ressabido por quantos acompanham a trajetória de meu trabalho, o que não me impede de expressar entusiasmo e alegria em ver editada obra de tamanha envergadura. Digo mais: caso não tivesse sido convidado para enunciar estas palavras introdutórias, trataria de insinuar à Autora que me concedesse o privilégio de fazê-lo.
Com efeito. O texto da Professora Aurora vem trazer, numa linguagem acessível e num estilo que, sobre ser simples e elucidativo, tende à precisão, a extensa plataforma teórica que sustenta a implementação dos princípios, categorias e formas que utilizamos, com crescente otimismo e renovado vigor ao longo desse período de estudos e de reflexões sobre o Direito. Convém assinalar que tudo isso tem como ponto de partida a experiência jurídico-tributária no Brasil, tomada aqui como pretexto para um estudo maior e mais aprofundado.
Na dialética do conhecimento jurídico, naquele ir e vir que se estabelece entre a formulação normativa das regras gerais e abstratas e a região material das condutas intersubjetivas, no incessante processo de positivação ou de determinação do Direito em busca da regulação dos comportamentos sociais, há problemas intermináveis e o rol de sugestões para que eles sejam resolvidos se acumula nos depósitos das questões dificílimas, em face da incerteza do próprio pensar humano. A relatividade do conhecimento e os limites de expansão da linguagem, dos quais somos eternos prisioneiros, levantam-se como obstáculos intransponíveis às soluções definitivas. Nem por isso, contudo, a Autora deixa de propor caminhos e traçar paradigmas, empregando uma retórica expressiva que, sem deixar de ser forte, abre espaço à admissão de outras interpretações possíveis. Usa, com desenvoltura, aquilo que entendemos ser a estratégia do respeito: acatar sempre as opiniões adversas, seja porque os julgamentos alheios mereçam nosso respeito, seja porque, com tal atitude, teremos boas possibilidades de, em seguida, ser ouvidos e poder transmitir-lhes nossas posições. É nesse sentido que elogio a retórica da Autora: suave, mas insinuante; leve, porém persistente; didática, no entanto eficaz.
Por ter a amplitude de um curso as conexões tornam-se evidentes, pois estipula princípios e, deles, com coerência, vai construindo toda a escala de conceitos que se lhes subordinam. Ademais, sua exposição persegue a clareza e, de espaço a es- paço, propõe ao leitor um diagrama sugestivo que facilita a comunicação e faz descansar a mente do destinatário com outros artifícios de linguagem. Quando o gráfico é mais com- plexo, impõe-se elucidação, o que a Autora promove, completando satisfatoriamente o teor da mensagem. Para além disso, retempera seu estilo mencionando doutrinadores de tomo. Afinal de contas, é difícil seguir uma linha metodológica sem socorrer-se das experiências dogmáticas de um punhado de professores que absorveram cuidadosamente o modelo e o têm utilizado na prática de suas atividades.
De outra parte, convém assinalar que muitos dos textos que compõem o livro já serviram de material de estudo, após o doutoramento da Autora, em programas breves de Teoria Geraldo Direito promovidos pelo IBET. Com o presente volume, certamente, passarão a ser de conhecimento obrigatório a todos os que pretenderem trabalhar com a linha constructivista, hoje ministrada nos cursos da COGEAE (PUC/SP), do IBET (Instituto Brasileiro de Estudos Tributários), bem como nas especializações, mestrados e doutorados, tanto da PUC/SP quanto da USP.
Na brevidade destas anotações, não poderia deixar de mencionar o reconhecido talento da Autora, alimentado por uma vocação empírica toda ela voltada para o jurídico, vocação manifestada com dedicação e apreço, estudando, pesquisando, discutindo e participando de maneira intensa do Grupo de Estudos do IBET. Seu espírito analítico e sua predisposição às reflexões axiológicas a credenciam positivamente na interpretação do Direito e, lembremo-nos, interpretar é atribuir valores aos signos e, por meio deles, fazer referência aos objetos do mundo. É interpretando que conhecemos a realidade que nos cerca.
São Paulo, 8 de julho de 2009
Paulo de Barros Carvalho
Professor Emérito e Titular da Faculdade de Direito da PUC/SP
Professor Emérito e Titular da Faculdade de Direito da USP
1. GREGORIO ROBLES MORCHÓN, O derecho como texto: cuatro estúdios de teoría comunicacional del derecho, Ed. Civitas, 1998, p. 111.
INTRODUÇÃO
Esta obra é um convite ao ingresso no pensamento de PAULO DE BARROS CARVALHO, no qual os pressupostos e categorias do Constructivismo Lógico-Semântico são aplicados para construção de uma Teoria Geral do Direito sob tal referencial.
O livro é apresentado na forma de Curso, sendo que ao final de cada capítulo (desta quarta edição), o leitor encontrará um questionário, referente à matéria tratada para testar as informações apreendidas e fomentar a discussão sobre os temas.
Estruturalmente o livro é dividido em quatro grandes partes: Livro I – Pressupostos do Constructivismo Lógico-Semântico, que se estende do capítulo I ao VII, onde são fixadas as premissas em que se fundam o Constructivismo Lógico-Semântico e os pressupostos de uma Teoria Geral do Direito sob este referencial; Livro II – Teoria da Norma Jurídica, do capítulo VIII ao X, onde são estudados a estrutura e o conteúdo das unidades do sistema do direito positivo; Livro III – Teoria da Incidência Normativa, do capítulo XI ao XIV, que trata da aplicação das normas jurídicas e da produção de seus efeitos na ordem jurídica; e Livro IV – Teoria do Ordenamento Jurídico, do capítulo XV ao XVII, dedicado às relações que se estabelecem entre as normas jurídicas na conformação do sistema e a origem, validade, vigência e eficácia dessas normas.
No Livro I – Pressupostos do Constructivismo Lógico-Semântico, começamos nossas investigações percorrendo o caminho do conhecimento científico, mesmo porque, nossa proposta é conhecer cientificamente as categorias gerais do direito e isto, primeiramente, pressupõe compreendermos o que seja “conhecer” e “conhecer cientificamente” o direito. No primeiro capítulo, fixamos nossas premissas, explicando alguns pressupostos da filosofia da linguagem e traçando as características do discurso científico. No segundo capítulo, delimitaremos o conceito de direito, tecendo algumas críticas às principais escolas que o tomam como objeto. O terceiro capítulo será dedicado à diferenciação das linguagens do direito positivo e da Ciência do Direito. O quarto, à teoria dos sistemas, onde, além de fixarmos as propriedades de tal teoria, analisaremos os pontos que separam e aproximam os sistemas do direito positivo, da Ciência do Direito e da realidade social. No capítulo quinto, faremos uma incursão na Semiótica e na Teoria Comunicacional, explicando a relevância de ambas no estudo do direito. No sexto, ingressaremos no universo das fórmulas lógicas, elencando as diferenças entre os mundos do “ser” e do “dever-ser”, da causalidade natural e jurídica, das leis do direito e da natureza. O sétimo e último capítulo deste livro são dedicados à hermenêutica jurídica e à teoria dos valores, onde discorreremos sobre a construção de sentido dos textos jurídicos, fazendo uma crítica aos métodos tradicionais e relacionando direito e valores.
No livro II – Teoria da Norma Jurídica, analisaremos as normas jurídicas, unidades do direito positivo, principalmente sob seus aspectos sintáticos e semânticos. No capítulo oitavo, depois de refletirmos sobre a importância de uma teoria da norma jurídica, voltaremos nossa atenção à sua estrutura, observando detalhadamente cada uma das partes que a compõem. No capítulo nono, apresentaremos uma proposta de classificação das normas jurídicas (em sentido amplo e estrito), mas antes disso, adentraremos na teoria das classes e estuda- remos o ato de classificar. E no capítulo décimo, analisaremos a regra-matriz de incidência, propondo um esquema lógico que pode ser aplicado na construção de qualquer norma jurídica.
No livro III – Teoria da Incidência Normativa, nossa atenção se voltará à aplicação das normas jurídicas e à produção de seus efeitos no mundo do direito. A análise estará direcionada, principalmente, ao aspecto pragmático das unidades do sistema. No capítulo décimo primeiro, estudaremos a incidência e aplicação das normas jurídicas, estabelecendo as diferenças entre as teorias declaratória e constitutiva e tecendo críticas à concepção tradicional. Proporemos um estudo semi ótico da incidência, passando, rapidamente, pela teoria da ação para explicar a aplicação como ato, norma e procedimento. O capítulo décimo segundo será dedicado à hermenêutica e à teoria da decisão vinculadas ao aspecto pragmático da aplicação. Nele discorreremos sobre os problemas das lacunas e antinomias do sistema. No capítulo décimo terceiro, realizaremos um estudo do fato jurídico, trabalhando os conceitos de evento, fato e fato jurídico, a importância da teoria das provas e da legitimação pelo procedimento para o direito, além de estabelecer critérios para diferenciação do erro de fato e de direito, do fato lícito e do fato ilícito e explicar a falsa ideia da interdisciplinaridade do fato jurídico. E, no capítulo décimo quarto, último capítulo deste livro (III), nossa análise recairá sobre a relação jurídica. Faremos uma breve incursão na lógica dos predicados poliádicos, para observarmos detalhadamente cada um dos elementos da relação jurídica e suas características, discorreremos sobre as classificações das relações jurídicas, seus efeitos e teceremos críticas à teoria da tripla eficácia.
No livro IV – Teoria do Ordenamento Jurídico, amplia- remos nosso foco de análise para, além das normas jurídicas, estudar as relações que se estabelecem entre tais unidades, na conformação do sistema jurídico. No capítulo décimo quinto, delimitaremos o conceito de ordenamento jurídico e identificaremos os vínculos que o compõem, posicionando-nos criticamente em relação às doutrinas que distinguem ordenamento e sistema. O capítulo décimo sexto será dedicado ao estudo das fontes do direito. Analisaremos nele, a origem das normas jurídicas, trabalhando os termos enunciação, enunciação-enunciada e enunciado-enunciado e tecendo críticas à teoria tradicional que considera doutrina, lei, jurisprudência e costume fontes do direito. No capítulo décimo sétimo, nosso foco volta-se à questão da validade e do fundamento de validade das normas jurídicas. Faremos uma reflexão sobre o conceito de validade e os critérios utilizados para sua demarcação, bem como, sobre a norma hipotética fundamental e sua função axiomática na delimitação do sistema jurídico. E, no capítulo décimo oitavo, o último da obra, nossa análise recairá sobre os conceitos de vigência, eficácia e revogação das normas jurídicas.
Abordando todos estes temas, sempre com base nas lições de PAULO DE BARROS CARVALHO, esperamos construir uma Teoria Geral do Direito sob o enfoque do Constructivismo Lógico-Semântico, que explique as categorias que se repetem de maneira uniforme em todos os segmentos do direito.