O pensamento jurídico no Brasil alcançou padrões nobilíssimos com a obra consistente e profunda do Professor Lourival Vilanova. Sabendo que as palavras exprimem ideias, ainda que essas últimas não se sintam inteiramente à vontade dentro delas, como que aprisionadas e contidas, as noções tendem a expandir-se, procurando acomodação em outros vocábulos. Certamente, foi assim que o mestre pernambucano desenvolveu uma sinonímia ampla e vigorosa para sustentar a base empírica de seus textos. Como ele mesmo o disse (“A Faculdade de Direito e sua destinação histórica e científica” – Diário de Pernambuco – 31/08/90), depois de semanas de estudos, às vezes de horas de leitura de lógica ou de teoria do conhecimento, lidando com termos de perfil conotativo exato e com frases curtas, curtíssimas até, com formas e fórmulas abstratas, sentia a imperiosa urgência de retomar a leitura de trechos de Stendhal ou de Goethe, de Simmel ou de Nietzsche, de Eça, de Machado ou de Euclides da Cunha. E o jus filósofo lia esses autores em voz alta, com a mão recurva, fazendo as vezes de caixa acústica, para recuperar, através da audição, a sonoridade da linguagem, intercalando, em seus escritos, uma profusão de imagens, esteticamente sugestivas, na sequência dos conceitos mais abstratos. Pôs em prática, desse modo, um estilo forte e expressivo, plataforma daquilo que veio a ser reconhecido como o método do constructivismo lógico-semântico.
O ano do centenário dessa figura exponencial das letras jurídicas brasileiras vem sendo celebrado com grande entusiasmo. Congressos, seminários, conferências e outras homenagens tiveram por objetivo enaltecer sua trajetória ao longo de uma existência intelectualmente rica e conduzida com enorme seriedade, para traçar um modelo de trabalho efetivo no trato com os objetos culturais, dentre eles, por sua preferência pessoal, o domínio do Direito, no qual concentrou seus estudos, dedicando-lhe páginas memoráveis.
A Editora Noeses, nascida ao tempo dos Escritos Jurídicos e Filosóficos (Axis Mundi/Ibet – SP 2003), que já deu à estampa a 5ª edição de As Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo, orgulha-se por lançar, agora, a 5ª edição do Causalidade e Relação no Direito, texto que representa, por assim dizer, o coroamento de uma cosmovisão bem ordenada, composta por agudas e instigantes meditações sobre o domínio do jurídico. Trata-se de leitura imprescindível para a compreensão de seu pensamento, como um todo, já que
tem por objeto, precisamente, a entidade que o direito positivo visa a disciplinar, no que concerne ao plano da intersubjetividade. Recordemo-nos de que o próprio “social é uma estrutura relacional. O fato social mais simples, o protofato, é a relação minimal de um com o outro”. Quem sabe, atento a isso, Alessandro Levi, na sua Teoria Generale del Diritto – 1953, tenha estabelecido na “relação” o conceito jurídico fundamental. E é curioso notar, também, como esse aspecto atiçou a poderosa capacidade de análise do pensador brasileiro, em direção às camadas mais profundas do conhecimento. Aliás, já foi dito, “os átomos do contínuo social são interações” e a “causalidade”, como gênero de determinação que articula o domínio do fáctico, ao ingressar no mundo do Direito assume o caráter de “imputabilidade”, vale dizer, “causalidade jurídica”.
Penso ser um privilégio ter acesso a obra tão refinada, tecida com a energia e a força de alguém que se dedicou, inteiramente, à pesquisa e às reflexões mais elevadas sobre a trajetória do ser humano no curso da sua existência.
Junho de 2015
Paulo de Barros Carvalho
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