ALGUMAS PALAVRAS
É dinâmica e complexa a formação do conhecimento! A semiologia dos conceitos nada diz sobre o tempo necessário para que as ideias apareçam, adquiram consistência, consolidem-se e fiquem prontas para as associações profícuas, abrindo espaço às possibilidades críticas, entrando, desse modo, no jogo maior das oscilações semânticas. Sabe-se, porém, que tudo isso acontece, cabendo à Gramática Histórica surpreender esses momentos culminantes, tão decisivos para a evolução da cultura. Começo por este ponto. A expressão fato gerador já havia conquistado posição no quadro terminológico da Ciência das Finanças e do Direito Financeiro, enquanto adolescia o Direito Tributário. Identifica-se até o tempo em que a expressão, utilizada por Gastón Gèze em publicação da Revista de Direito Administrativo nº 2, foi empregada aqui no Brasil com o impacto que as construções fortes costumam suscitar. O advento acendeu logo no espírito dos estudiosos um feixe de noções, todas próximas e concorrentes, que já anunciavam o papel relevante que o conceito haveria de cumprir na comunicação jurídico-tributária brasileira. Quero fazer notar, porém, que desse registro à construção de sentido correspondente ao suporte físico existente, vai uma distância por vezes considerável. E coube precisamente a Amilcar de Araújo Falcão estabilizar a ideia, consolidando-a de forma incisiva para outorgar-lhe uma significação que fizesse jus ao vigor de sua sonoridade e à energia da sua presença na estrutura frásica. Eis um esforço talvez inconsciente, mas sem o qual a expressão permaneceria pobre, vazia de conteúdo, inadequada para contribuir, como de fato veio a ocorrer, para o desenvolvimento dos estudos tributários no país. Sem medo de cometer excessos posso afirmar que foi da pena do autor baiano que saíram as palavras mais ajustadas, os termos retoricamente mais eloquentes para conferir a estrutura e o porte significativo que até hoje a locução ostenta. Em páginas admiráveis, ofereceu os elementos semânticos que permitiram dar corpo à ideia de fato gerador da obrigação tributária. Tanto assim, que Giuliani Fonrouge, figura maior da doutrina jurídico-financeira e tributária da Argentina, naquele trato de tempo em que os estudiosos brasileiros eram poucos e os novos estavam apenas começando, não hesitou em traduzir para o espanhol o livro que ocupa agora nossa atenção.
É sempre difícil definir a combinatória de traços retóricos que fazem de um escrito qualquer um texto de elevada categoria. Mas, quando os juízos de valor chegam às fronteiras da unanimidade, o reconhecimento histórico torna-se inevitável.
Há algo também que deve ser lembrado: admitir o talento do autor, que soube dar tratamento semântico firme e consistente a uma locução altamente expressiva para a compreensão do fenômeno tributário, dista de representar a escolha do termo linguístico como significação adequada para indicar as situações da vida real que provocam o nascimento do liame jurídico do tributo. Tenho para mim, portanto, que as críticas de Alfredo Augusto Becker, Geraldo Ataliba, Roque Carrazza, e as minhas próprias ao uso da expressão continuam de pé, fortalecidas pela experiência e enriquecidas com os novos argumentos que não cessam de ser produzidos. Aliás, é bom insistir que tais anotações críticas somente foram possíveis porque alguém, como Amilcar de Araújo Falcão, conseguiu expor e transmitir a doutrina do fato gerador com tamanha elevação e transparência comunicativa.
Concluo essas “breves” palavras chamando a atenção do leitor para um dado que valoriza ainda mais esta obra. Não fora a importância histórica do livro, tudo o que ele representa para o desenvolvimento do Direito Tributário no Brasil e no exterior; e os textos que foram sendo agregados a título de apresentação ou de prefácio fazem deste volume um conjunto sobremodo precioso para recolher impressões, anotações, análises e observações críticas a respeito da figura exponencial de Amilcar de Araújo Falcão. São depoimentos valiosos de personalidades como Aliomar Baleeiro, Rubens Gomes de Sousa, Geraldo Ataliba e José Souto Maior Borges que, certamente, contribuirão muito para o conhecimento de dados sobre a subjetividade do autor, de sua formação cultural, passagens de sua carreira jurídica e, sobretudo, do talento e dos dotes intelectuais tão proclamados pelos que mantiveram com ele relacionamento de maior proximidade. Em termos semióticos, essas mensagens paratextuais funcionam como epitexto, isto é, segmentos formulados originariamente no exterior do texto, mas que acrescentam proposições de enorme valia para a compreensão da pessoa e do próprio conteúdo da obra.
Reduzindo à expressão mais simples, o vulto deste trabalho abriga três instâncias distintas, mas devidamente articuladas, a saber: i) uma sistematização da categoria fato gerador, feita com mão de mestre; ii) a configuração da plataforma fundamental que permitiu à doutrina subsequente um avanço extraordinário na investigação e no estudo do fenômeno jurídico da incidência tributária e; iii) o mencionado conjunto de mensagens paratextuais (epitexto), que enobrecem o escrito original, rendendo ensejo a reflexões inovadoras.
Em meu nome e da Editora Noeses, agradeço a gentileza especial de sua filha Ana Lúcia Falcão, deixando assinaladas a satisfação e a honra de poder colaborar para a difusão de obra tão significativa.
São Paulo, 02 de dezembro de 2013
Paulo de Barros Carvalho