A discussão de modernização deve observar algumas premissas a partir daquela que indica o desejo social por um processo justo e, logo, um resultado também justo.
A nova proposta de alteração do processo administrativo tributário paulista, tramitando sob o número 367/2020 na Assembleia Legislativa de São Paulo, é mais uma tentativa de tornar a jurisdição administrativa mais eficiente.
A discussão de modernização deve observar algumas premissas a partir daquela que indica o desejo social por um processo justo e, logo, um resultado também justo.
O primeiro ponto é que se deve aceitar que o contencioso administrativo exerce jurisdição autêntica. É assim em vários países do mundo.
É muito ultrapassada a ideia de que a atividade jurisdicional é exclusiva do Poder Judiciário. O Estado é uno e a jurisdição pode ser fracionada em judicial, administrativa e arbitral. É uma questão de distribuição do papel jurisdicional por critérios de competências outorgadas por leis editadas pelo próprio Estado, empoderando pessoas e órgãos para, em seu nome, exercer o papel jurisdicional.
A própria jurisdição arbitral, instituída por lei, exerce este papel e de forma já validada pelo Supremo Tribunal Federal.
Os processos judicial, administrativo e arbitral deveriam atuar de forma cooperativa no exercício do papel jurisdicional tributário, evitando encadeamento e sobreposições de jurisdição que servem apenas para arrastar as lides para um debate sem fim. E isto só funciona se as jurisdições forem munidas de requisitos republicanos básicos, especialmente a independência, ampla defesa e imparcialidade.
Nas palavras de Gaston Gezé, pode-se certamente afirmar que, em todos países do mundo, mesmo os mais civilizados e nos quais o nível moral é bem elevado, os contribuintes se esforçarão para dissimular perante o fiscal tudo o que puderem.
Indivíduos honestos não fornecerão declarações exatas, mas a que lhe fizer pagar a soma que ele acredita ser sua justa parte do imposto; as torpezas não terão nenhum limite.
Da mesma forma ocorre no âmbito do processo administrativo tributário. As pessoas tendem a aceitar e a cumprir decisões que reputam justas. As sentenças arbitrais, por exemplo, costumam ser cumpridas espontaneamente, sem a necessidade de obrigar o vencedor a executar a sentença arbitral junto ao Poder Judiciário. De outro lado, as decisões administrativas, permeadas por diversos elementos que abalam a sensação de justiça, são invariavelmente arrastadas para novo embate judicial.
Não coaduna minimamente com algo que se pretenda aparentar de justo, um órgão jurisdicional vinculado a uma das partes (administração tributária), com julgadores sem garantias de independência e indicados politicamente, com restrições de aplicar a legalidade, submetido a um voto duplo de desempate fazendário, com restrições à ampla defesa e desvinculado a determinados precedentes judiciais.
Por ocasião da aprovação da Lei nº 16.498/2017, muitas melhorias foram implantadas no processo administrativo tributário paulista, especialmente a inserção de princípio fundamentais, a fixação de 360 dias como prazo razoável de duração do processo, observância preferencial da ordem cronológica, sustentação oral sem pedido prévio, ampliação das hipóteses de impedimento, prazo anual para a edição de súmulas, redução do quorum para a aprovação das súmulas, oficialização das sessões temáticas e maior amplitude às provas para fatos supervenientes e contraposição a outras.
O projeto de lei nº 367/2020, do Deputado Estadual Sérgio Victor, é amparado tecnicamente por estudos elaborados no âmbito da Comissão de Direito Tributário e da Comissão de Contencioso Tributário da OAB/SP, presididas, respectivamente, por Tathiane Piscitelli e Luiz Roberto Peroba Barbosa. Propõe novas e importante mudanças, dentre as quais, a contagem de prazos em dias úteis, o direito da parte ver todas as suas provas apreciadas, a adequada fundamentação das decisões, recurso de agravo em face de juízo de admissibilidade recursal, ampliação do conceito de “jurisprudência firmada” e dos precedentes vinculantes, fim do valor de alçada para recurso, manifestação obrigatória após retorno de diligencia como prestígio ao contraditório, valorização da motivação, dentre outras.
Espera-se a aprovação de mais estes avanços, sem prejuízo de prosseguirmos no debate e ainda conquistarmos um processo administrativo tributário que atinja as suas finalidades, prestigiando os valores constitucionais, apaziguando crises e realizando incondicionalmente o seu propósito de prestar jurisdição.
FONTE: Valor Econômico – Por Eduardo Salusse