A celeuma circundante ao instituto da compensação no Direito Tributário envolve, dentre outras controvérsias, a aplicação da multa isolada de 50% nas hipóteses de compensações não homologadas.
Tal sanção pecuniária foi instituída pela Lei nº 12.249/10 que, ao incluir o §17 no art. 74 da Lei nº 9.430/96 [1], autorizou a aplicação da multa sobre o valor do crédito objeto da declaração de compensação não homologada. Posteriormente, com o advento da Lei nº 13.097/15, referida penalidade teve sua base de cálculo alterada, passando a recair sobre o valor do débito declarado.
No início de 2013, a Confederação Nacional de Indústria (CNI) ingressou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.905, sustentando que tal multa violaria:
a) o direito de petição aos poderes públicos, na medida em que impõe barreira relevante aos pedidos de compensação (art. 5º, XXXIV, da CF);
b) o direito ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LV, da CF);
c) a vedação do uso de tributo com efeito confiscatório (art. 150, IV, da CF);
d) os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade; e
e) a proibição do estabelecimento de sanções políticas.[2]
Em maio de 2014, no Recurso Extraordinário nº 796.939, o STF reconheceu a existência de repercussão geral da matéria por afetar toda a classe de contribuintes que buscam a compensação de tributos junto à Receita Federal e por reclamar uma definição jurídica quanto à (in)constitucionalidade de dispositivo de lei federal.
Certamente, o paradigma a ser firmado neste leading case repercutirá numa imensidão de conflitos tributários instaurados perante o Poder Judiciário e junto ao contencioso administrativo federal.
Recentemente, o Recurso Extraordinário foi incluído para julgamento na sessão virtual do STF de 17 de abril de 2020 a 24 de arbil de 2020. Dando início ao julgamento, o ministro Relator Edson Fachin decidiu favoravelmente aos contribuintes, propondo a seguinte tese: “é inconstitucional a multa isolada prevista em lei para incidir diante da mera negativa de homologação de compensação tributária por não consistir em ato ilícito com aptidão para propiciar automática penalidade pecuniária”(Tema 736 da repercussão geral).
Trata-se conclusão justa e precisa na medida em que a multa de 50% imposta pela não homologação da declaração de compensação viola direitos e garantias do contribuinte, uma vez que representa, em última análise, penalidade exigida em razão do exercício de um direito do sujeito passivo e não em função de uma ilicitude.
Lembramos que o art. 170 do CTN, combinado com o art. 74, caput, da Lei nº 9.430/96, confere ao sujeito passivo o direito de compensar, estabelecendo-se para tanto um procedimento específico, que é a entrega de Declaração de Compensação (PER/DCOMP).
Ao entregar a PER/DCOMP, o contribuinte pratica um ato jurídico que lhe é facultado e, caso o Fisco, contrapondo créditos líquidos e certos com débitos vencidos ou vincendos, entenda pela ausência do encontro de contas na forma pretendida, a decisão pela não homologação não significa que houve um descumprimento de um dever ou má fé do contribuinte, vale dizer, uma infração tributária, o que seria verificada nos casos de compensação não declarada ou nas hipóteses de compensação não homologada quando comprovada a falsidade do pedido.
A lei federal veda expressamente a compensação quando comprovada a intenção dolosa do contribuinte de levar o Fisco a erro, mediante declarações falsas, e, ainda, nas hipóteses de compensação não declarada (por ex.: crédito de terceiros, crédito-prêmio, créditos não tributários, crédito reconhecido em decisão ainda não transitada em julgado, saldo a restituir apurado em DIRPF, débitos devidos no registro da DI, débitos encaminhados para a inscrição na DAU, débito parcelado, débito objeto de compensação não homologada e valor objeto de restituição indeferida [3]). Aqui, o contribuinte age contrário à lei, pleiteando compensações de débitos/créditos expressamente vedadas pelo legislador.
Situação diversa ocorre quando a compensação não é homologada, fruto de interpretações divergentes sobre a norma tributária procedidas pelo Fisco e pelo contribuinte, da existência de erros formais ou da falta de provas que respaldem o crédito ou a sua suficiência.
A ausência de compensação ilícita é, inclusive, confirmada pelo próprio legislador quando estatui como hipótese de compensação não declarada a compensação de débito já objeto de compensação não homologada.
Não há dúvidas de que a simples ameaça da multa isolada no percentual de 50% do débito declarado acaba por tolher prerrogativa do contribuinte que, receoso de sofrer a imputação de tal penalidade, não buscará, através do procedimento administrativo legitimado para tal fim (PER/DCOMP), compensar seus débitos com crédito tributários.
Tais circunstâncias acabam por desprezar o direito constitucional de petição e a máxima do devido processo legal, plasmados no art. 5º, inciso XXXIV, alínea ‘a’, e inciso LIV, da Constituição de 1988.
Resta-nos, por ora, aguardar os votos dos demais membros do STF no julgamento do RE 796939 que, suspenso após o pedido de vista do Ministro Gilmar Mendes, será retomado agora no dia 8 de maio, data em que também foi incluída na pauta do plenário o julgamento da ADI 4905.
Vamos torcer para que a maioria da nossa Corte Constitucional acompanhe o entendimento, sem reparos, do ministro Edson Fachin pela inconstitucionalidade do disposto no art. 74, §17, da Lei 9.430/96.
[1] Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão.
§ 17. Será aplicada multa isolada de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor do débito objeto de declaração de compensação não homologada, salvo no caso de falsidade da declaração apresentada pelo sujeito passivo.
[2] Em 31.01.2013, a medida liminar foi indeferida pelo Min. Joaquim Barbosa por considerar “ausente a urgência inadiável” que autorizaria a concessão da medida no período do recesso judiciário.
[3] Art. 74, §12, da Lei nº 9.430/96.
Fonte: JOTA – 08/05/2020 (https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/stf-e-a-multa-por-compensacao-de-tributos-nao-homologada-08052020)