APRESENTAÇÃO: O Projeto “AJUFE – Jurisdição Federal” de Mestrado Acadêmico e Doutorado foi promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-SP em convênio com a Associação dos Juízes Federais do Brasil. Voltado a Juízes e Desembargadores Federais, referida parceria foi firmada em 2012 e objetivou o aprimoramento do saber jurídico, como melhor ferramenta para fazer frente aos desafios do exercício da atividade jurisdicional.
Foram postas à disposição dos interessados vagas nos núcleos de Direito Constitucional, Direito Tributário, Direito Civil, Direito Processual Civil e Direitos Difusos e Coletivos da PUC-SP. A maioria das disciplinas cursadas exigiu a entrega de monografias para avaliação e atribuição de notas ao final do semestre, oportunidade em que nos propusemos organizar esta coletânea de artigos, de forma que os recém-ingressos no Programa de Pós-Graduação pudessem ver publicados seus trabalhos, ao mesmo tempo em que se abriria campo ao interesse daqueles que pretendam, no futuro, fazer parte dos Programas de Mestrado ou de Doutorado.
A presente obra é composta por 34 artigos, assinados por alunos integrantes do “Projeto AJUFE – Jurisdição Federal” e seus professores, divididos em cinco capítulos, que reúnem reflexões sobre as principais questões e perspectivas relacionadas ao atual panorama da Justiça Federal brasileira.
As disciplinas Filosofia e Teoria Geral do Direito ocuparam espaço logo no primeiro semestre do curso, de maneira que as categorias necessárias ao conhecimento e à compreensão da Ciência do Direito e do direito positivo, metalinguagem ali, linguagem-objeto aqui, pudessem ser expostas como condições preliminares ao avanço em direção às áreas específicas de predileção de cada mestrando e doutorando. Tal providência metodológica revelou-se fecunda, com a comprovação empírica da qualidade dos trabalhos apresentados ao público nesta edição.
Eis aí amostra eloquente de que não há distinção entre teoria e prática, entre ciência e experiência: ou se conhece ou não se conhece o objeto. No plano das vivências empíricas, somente podemos falar numa “boa prática” quando as proposições sejam sustentadas por uma teoria que a explique; ao mesmo tempo, nos domínios da teoria, apenas admitimos sua eficácia quando tenha condições de explicitar os fenômenos que ocorrem, apontando horizontes para a experiência. Enfim, os trabalhos produzidos pelos Juízes Federais, longe de se afastarem da prática judicante diária, aprofundaram-se no conhecimento do objeto com o qual trabalham – o direito positivo – nos seus mais diversos subdomínios.
Na vida do direito, é na plataforma das normas individuais e concretas que se sente o fenômeno jurídico mais rente à vida dos homens. É ali onde os comandos abandonam a frieza da conotação para ganhar a riqueza e espantosa complexidade que o real – em sua infinitude irrepetível de aspectos – pode oferecer. Nelas, os sujeitos têm nomes; os fatos, lugar e data; a prestação, expressão devidamente apurada e pormenorizada. É o direito impondo o timbre de sua prescritividade a uma sociedade que já não se faz presente nos vagos traços de abstratas hipóteses, mas nos firmes contornos de provas concretas. Comparecem aqui, além da teoria do sistema jurídico abstrato e da norma jurídica também abstrata, as fundantes categorias dos fatos jurídicos e das correspondentes relações jurídicas intranormativas, de modo que aqueles – os fatos jurídicos – sejam fortemente construídos de acordo com as provas que o próprio direito prescreve; e aquelas – as relações jurídicas – estabeleçam os inevitáveis vínculos que permitem ao ordenamento regular efetivamente as condutas inter-humanas.
Os trabalhos apresentados, ao lado das teorias do ordenamento jurídico, da norma e da incidência, dirigem-se com especial destaque à investigação do fato jurídico, quase que denunciando as dificuldades e limitações que se oferecem a todos que se dedicam à construção da “concretude e individualidade” ínsitas às normas judiciais. É na produção dos fatos jurídicos que o direito, por um lado, se reproduz; e, por outro, cumpre sua finalidade de regular comportamentos intersubjetivos, modalizando-os concretamente quanto à pessoa, tempo, lugar e procedimento. É em nome do fato, situado no antecedente das normas individuais e concretas, que o sujeito competente produz relações jurídicas particularizadas: condena ou absolve réus; prescreve o dever jurídico concreto de pagar o tributo ou de não pagá-lo… É precisamente com o acontecimento do fato que o sistema jurídico se movimenta, movendo também o macrossistema social.
Eis o campo em que, tendo de um lado a fluidez e constante mutação da vida em sociedade, do outro, a rigidez das estruturas normativas, o julgador se locomove e desempenha seu ofício. Trata-se de tarefa marcada pelo traço que garante à ordem jurídica sua unicidade: aquele comando que Kelsen chamou norma jurídica sancionatória, a marca da coercitividade cujo monopólio foi entregue ao Estado, mais precisamente, ao Estado-juiz.
Com efeito, o direito não existe para coincidir com a realidade social que se pretende regular, mas para sobre ela incidir. Por isso, é precisamente no desencontro das condutas dos homens com os arquétipos normativos que se abre espaço para o movimento jurídico.
Assim sucede porque no suposto da norma secundária está o descumprimento de uma conduta estipulada pela ordem jurídica, de tal modo que o trabalho judicial tem seu nascedouro justamente ali onde os homens parecem se afastar do direito. A decisão judicial é um chamado, contundente e soberano, em meio à tensão das expectativas frustradas, para que as conturbações ocorridas na vida dos homens não desfaçam a trama que mantêm uma sociedade unida. Dito de modo diferente, cabe ao juiz conduzir a sociedade de volta à trama estabelecida pelo direito.
Por outro lado, a proibição do non liquet sugere que, certas vezes, o caminho há de ser o inverso: a sociedade, experimentando seu incessante processo de mutação, não pode ficar à mercê de vazios jurídicos, devendo o julgador servir-se de expedientes como a analogia e a equidade para estender os padrões do direito às novas dimensões e anseios da coletividade, levando, agora, mais direito à sociedade.
O lugar ocupado pelo Juiz no contínuo embate entre ordem e mudança, tradição e novidade, rotina e inovação, velho e novo, faz-se ponto decisivo em que essas forças sociais se agitam sob a tutela do Poder Judiciário. Tal espaço, porém, não o ocupa um indivíduo, mas toda a coletividade, que passa a ter no julgador um de seus órgãos. E exatamente porque não é o homem, mas a sociedade que, organificada, julga, o critério para nortear as decisões não há de advir das preferências pessoais e de sua subjetividade, mas deve o magistrado buscar sempre a objetividade, ainda que, para isso, precise dessubjetivar-se. Tal como adverte o professor pernambucano Lourival Vilanova, o juiz necessita:
“Decidir não segundo um critério pessoal seu, mas segundo medidas objetivas, que não as pode desfazer, importa para o julgador em dessubjetivar-se, também, incorporando-se como membro da comunidade e órgão dela. O juiz, nesse aspecto, impessoaliza-se ao meramente cumprir o direito, como qualquer cidadão, e impessoaliza-se como órgão julgador da comunidade, pois, julgando, é a comunidade por meio dele, juiz, que ajuíza e sentencia.”[1]
Daí já se entrevê um dos maiores desafios ao julgador: evitar a confusão do critério jurídico com um critério estritamente pessoal, o que levaria as situações da vida em sociedade rumo ao turbilhão de um casuísmo desenfreado, culminando na ruptura desse tecido social.
Como importante expediente para não perder de vista essa distinção, evitando as armadilhas do singelo – porém perigoso – arbítrio, ao mesmo tempo em que se mantém a sensibilidade para os problemas trazidos pela sociedade aos seus cuidados, deve o julgador primar pelo aprimoramento das categorias epistemológicas e métodos para melhor lidar com o processo de interpretação dos signos jurídicos.
O aperfeiçoamento dessas ferramentas do conhecimento é tarefa que se impõe não apenas aos julgadores, mas a todos os membros da comunidade jurídica e, em especial, àqueles que enveredam pela senda do discurso científico. A precisão do texto, a lucidez das ideias, o rigor no argumento, a desambiguação e a elucidação dos termos, todos esses processos surgem como estratégias para a estabilização do sentido das mensagens legisladas e, ao mesmo tempo, instrumento para lidar, categoricamente, com um mundo em constante mutação.
Para isso, tem o método do Constructivismo Lógico-Semântico contribuído de modo relevante. Providência desse quilate, de cunho epistemológico, permite que a linguagem prescritiva do direito positivo, quer em nível de normas gerais e abstratas, quer no das individuais e concretas, assim também a descritiva, da Ciência do Direito, sejam vivamente potencializadas pela utilização dos instrumentos utilizados pela Semiótica para análise da linguagem, forçando as amarrações conceptuais lógico-semântico-pragmáticas por todos aqueles que tomam o direito positivo como objeto de conhecimento, seja para realizar incidências (agentes competentes), seja para emitir proposições descritivas (cientistas dogmáticos do direito).
Nesse contexto, muito bem-vinda foi a iniciativa conjunta tomada pela Associação Nacional dos Juízes Federais e pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em seu Núcleo de Estudos Pós-Graduados em Direito, para abrir uma linha de pesquisa voltada ao tema da jurisdição federal, submetendo ao crivo da pesquisa científica alguns dos temas mais caros ao ofício do julgador. Trata-se de empreitada cujos frutos ora se entregam à toda a comunidade, sob a forma de avanços registrados nesses textos científicos, mas, especialmente, com a formação de magistrados mais bem esclarecidos para o desempenho da tarefa diária – e tormentosa – de interpretação dos textos jurídicos e da realidade social sobrejacente.
Ficam aqui consignados os resultados iniciais desses estudos, em cada um dos textos de alunos e professores das disciplinas ministradas nos cursos de mestrado e doutorado da PUC-SP. Com eles, ficam gravados os primeiros passos dessa longa marcha e os agradecimentos a todos que têm contribuído para o aprimoramento das pesquisas a respeito da nobre função que é a busca incessante pelos caminhos do Conhecimento e da Justiça.
São Paulo, 10 de outubro de 2014
Paulo de Barros Carvalho
Professor Emérito e Titular da PUC/SP e da USP
Robson Maia Lins
Professor da PUC/SP nos Cursos de Graduação, Especialização, Mestrado e Doutorado
[1] VILANOVA, Lourival. O Poder de Julgar e a Norma. In: Escritos Jurídicos e Filosóficos. V.1. São Paulo: IBET/Axis-Mundi, 2002, pp. 337-8.
SUMÁRIO
CAPÍTULO I – INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO DIREITO
BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A FUNÇÃO DESCRITIVA DA CIÊNCIA DO DIREITO TRIBUTÁRIO
Paulo de Barros Carvalho
A IMPORTÂNCIA DO JUSPOSITIVISMO NA APLICAÇÃO DO DIREITO
Eliana Borges de Mello Marcelo
O DESVIRTUAMENTO DA RETÓRICA COMO INSTRUMENTO DE CONTROLE ESTATAL DAS FONTES JURÍDICAS
Luciano Tertuliano da Silva
AS ANTINOMIAS NO DIREITO
Herbert Cornelio Pieter de Bruyn Júnior
A TEORIA DOS VALORES E OS PRINCÍPIOS E SOBREPRINCÍPIOS NA INTERPRETAÇÃO DO DIREITO
Sylvia Marlene de Castro Figueiredo
HERMENÊUTICA JURÍDICA E TEORIA DA DECISÃO JUDICIAL NA OBRA DO PROFESSOR PAULO DE BARROS CARVALHO: BREVES CONSIDERAÇÕES
Bianor Arruda Bezerra Neto
INTERPRETAÇÃO E A CONSTRUÇÃO DO SENTIDO DA NORMA: LIMITES OBJETIVOS
Fernando Marcelo Mendes
CAPÍTULO II – REFLEXÕES SOBRE A FUNÇÃO JURISDICIONAL
A CONCILIAÇÃO À LUZ DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA FRATERNIDADE: A EXPERIÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Reynaldo Soares da Fonseca
SEPARAÇÃO DE PODERES, ATIVISMO JUDICIAL E DÚVIDAS EXISTENTES ENTRE O RELACIONAMENTO DE AMBOS
Sílvia Melo da Matta
A MUDANÇA DA CULTURA DO LITÍGIO PARA A DA CONCILIAÇÃO
Gustavo Catunda Mendes
A JURISDIÇÃO FEDERAL NA EFETIVAÇÃO DE DIREITOS PREVISTOS EM TRATADOS INTERNACIONAIS – UMA INTRODUÇÃO
Guilherme Andrade Lucci
JUDICIALIZACÃO DA POLÍTICA, VALOR “DEMOCRACIA” E ARGUMENTO DEMOCRÁTICO
Bruno Cezar da Cunha Teixeira
A FUNÇÃO JURISDICIONAL COMO PRÁTICA (RE)CONSTRUTIVA: É POSSÍVEL UM SISTEMA EFETIVO SEM RISCOS?
Newton Pereira Ramos Neto
O JUIZ DE GARANTIAS DO NOVO PROJETO DE CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E SEU REFLEXO NA MAGISTRATURA
Renata Andrade Lotufo
CAPÍTULO III – ACESSO À JUSTIÇA E DEVIDO PROCESSO LEGAL
DIREITO DE ACESSO À JUSTIÇA: CONCEPÇÃO PÓS-POSITIVISTA, LIMITAÇÕES E POSSÍVEIS SOLUÇÕES
Rogério Volpatti Polezze
VERDADE JUDICIAL, PROVAS E PACIFICAÇÃO SOCIAL
Adriana Delboni Taricco
A DEFINIÇÃO DE PESSOA COM DEFICIÊNCIA E O BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
Alessandra Pinheiro Rodrigues D’Aquino de Jesus
MANDADO DE SEGURANÇA NA JUSTIÇA FEDERAL – FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA TERRITORIAL COM BASE NO § 2º, DO ART. 109 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
Raquel Domingues do Amaral
A PRATICABILIDADE E AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO CIDADÃO-CONTRIBUINTE
Madja de Sousa Moura Florencio
MEIOS DE IMPUGNAÇÃO DA COISA JULGADA NOS JUIZADOS ESPECIAIS
Gustavo Brum
A CORREÇÃO DOS DEPÓSITOS DO FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO
Djalma Moreira Gomes
A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO E A INFORMATIZAÇÃO DO PROCESSO JUDICIAL
Marisa Claudia Gonçalves Cucio
CAPÍTULO IV – TRIBUTOS FEDERAIS E QUESTÕES CORRELATAS
EFEITOS DA DECISÃO DO STF EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA NO REGIME DO ART. 543-B DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E O LIMITE DO ART. 170-A DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL
Robson Maia Lins
EXTRAFISCALIDADE TRIBUTÁRIA: ESTRUTURA E FUNÇÃO INSTRUMENTALIZADORA DE POLÍTICAS PÚBLICAS
Fabiana Del Padre Tomé
ANÁLISE DA INCIDÊNCIA DO ARTIGO 135 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL
Ana Lya Ferraz da Gama Ferreira
IPI E IMPORTAÇÃO DE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS À LUZ DA REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA
Diogo Ricardo Goes Oliveira
A INTERPRETAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA DO CRITÉRIO QUANTITATIVO (“VALOR ADUANEIRO”) DAS CONTRIBUIÇÕES PARA O PIS/PASEP E COFINS NAS OPERAÇÕES DE IMPORTAÇÃO DE MERCADORIAS ESTRANGEIRAS
Samuel de Castro Barbosa Melo
CAPÍTULO V – CRIMES FEDERAIS E PROCESSO PENAL
DOLO EVENTUAL E DOLO DIRETO: EFEITOS EQUIVALENTES COMO MEDIDA DE PRESERVAÇÃO DO DOLO
Renata Andrade Lotufo
A VALORAÇÃO DA PROVA INDICIÁRIA NO SISTEMA DA PERSUASÃO RACIONAL DIANTE DA CRIMINALIDADE TRANSINDIVIDUAL
Raecler Baldresca
INDICIAMENTO E PERSECUÇÃO PENAL DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS: LIMITES CONCEITUAIS À INCIDÊNCIA DAS NORMAS
Rosmar Antonni Rodrigues Cavalcanti de Alencar
O PODER GERAL DE CAUTELA NO PROCESSO PENAL: CONSIDERAÇÕES À LUZ DAS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI 12.403/2011
Flavia Serizawa e Silva
PRISÃO PREVENTIVA: ESTRITA LEGALIDADE OU USO DE PRECEDENTES
José Magno Linhares Moraes
O DILEMA DA GRADUAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DA LEI DE DROGAS E O BIS IN IDEM VEDADO – A NECESSÁRIA INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO DO PARÁGRAFO 4º DO ARTIGO 33, DA LEI 11.343/2006, PARA VIABILIZAR A DOSIMETRIA DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO
Louise VL Filgueiras Borer
O CRIME DE IMPORTAÇÃO DE MEDICAMENTOS SEM REGISTRO NO ÓRGÃO NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA COMPETENTE E O EXCESSO NO EXERCÍCIO DA DISCRICIONARIEDADE LEGISLATIVA
Louise VL Filgueiras Borer