E se ao partir de São Paulo com destino a Belém, após atingir a altitude de cruzeiro, resolvo adquirir um sanduíche. Sendo esta uma operação sujeita ao ICMS, um tributo estadual, a quem seria devido o tributo? Seria a São Paulo? Ao Pará? A Goiás? Ou será que já estaríamos sobre o espaço aéreo do Distrito Federal? Mas espera aí, o espaço aéreo não é da União?
A pergunta, a primeira vista singela, mostra-se fonte para um intenso e cada vez mais frequente embate que envolve temas delicados como a autonomia municipal, princípio federativo, legalidade tributária… Isso porque as atividades
de nosso tempo têm se espalhado ao longo do espaço com velocidade e frequência sem precedentes na história da humanidade. Até mesmo certas operações que antes ficavam circunscritas a um estabelecimento bem fincado no solo, como a venda de um sanduíche, começam a “complicar-se” especialmente.
São novos tempos e novos problemas a reclamar novas regras.
O tema “espaço” sempre ocupou a atenção dos estudiosos dos tributos, tanto que se percebe na maior parte das teorias dedicadas à estrutura dessas normas a referência a alguma marca espacial: foi assim com o aspecto espacial na Hipótese de Incidência Tributária do Prof. Geraldo Ataliba e também com o critério espacial na Regra-Matriz de Incidência Tributária do Prof. Paulo de Barros Carvalho, para citar apenas dois deles. O problema, porém, está no modo que os estudos científicos e até as legislações têm se dedicado a preencher essa variável: muitas vezes apontam expressões vagas como “território do estado”, no exemplo do ICMS. Ora, pois, isso pouco esclarece quando a circulação de mercadorias – como no exemplo da venda do sanduíche em pleno voo interestadual – que envolve mais de um território estadual.
É preciso dizer mais! Apontar se o lugar do tributo seria aquele do aeroporto de origem, do destino, o local sobre o qual sobrevoava a aeronave no instante em que a aeromoça entregava o lanche, ou, até mesmo, se seriam todos esses juntos. Já se observa a instituição de várias leis dedicadas ao tema: a Lei Complementar encarregada do ISS falará do estabelecimento prestador; a do ICMS, dedica todo o art. 11 ao assunto; os chamados “elementos de conexão”, na tributação internacional, “atraem” a competência de um país repelindo a de outros… Todos esses fenômenos e a crescente abrangência espacial das condutas hodiernas demandam maiores esclarecimentos do critério espacial. Foi precisamente sobre esse tema, apresentando um novo modelo para legisladores e operadores do direito lidarem melhor com tais complexidades espaciais nas normas tributárias, que escrevi o livro O Lugar e o Tributo. E antes que termine sem responder, no caso da aeronave, as disposições hoje vigentes prescrevem que o critério espacial é o aeroporto de origem do voo (Cláusula segunda, §3º, do Ajuste SINIEF 07/2011).
Lucas Galvão de Britto é advogado e professor nos cursos de especialização em direito tributário do IBET e da PUC-SP. É também mestre e doutorando em direito tributário pela PUC-SP e autor do livro O Lugar e o Tributo, publicado este ano pela Editora Noeses.