1. Introdução
Tributo na sua acepção mais simples é transferência de uma parcela da riqueza individual para o Estado. Embora o tributo seja tão antigo quanto os mais incipientes ajuntamentos humanos, é relativamente recente a ideia de que o tributo não pode incidir sobre qualquer ato ou situação a bel prazer do soberano.
Parece muito natural que os tributos incidam sobre atos ou situações denotadores de riqueza, mas, na verdade, nem sempre foi assim. Essa ideia é fruto da evolução política e social das sociedades modernas. Hoje consideramos exóticos relatos do que ocorria no Reino do Congo, por exemplo, cujo rei taxava os súditos que estivessem ao seu lado sempre o que barrete lhe caia da cabeça.
Se o tributo é a forma como uma parcela da riqueza individual é transferida ao Estado, não há sentido, em uma sociedade que se pode aquilatar um bom grau de desenvolvimento político, que a escolha das bases de incidência seja desprovidas de conteúdo patrimonial.
Atualmente, é possível verificar, entre as principais economias do mundo ocidental, um padrão nas escolhas dessas bases de tributação. Segundo a classificação adotada pela OCDE são elas: impostos sobre receitas, lucros e ganho de capital; contribuições para a seguridade social; impostos sobre a folha de pagamento; impostos sobre a propriedade de bens móveis ou imóveis (sobre a propriedade em si ou sobre a sua transmissão); e impostos sobre a produção, venda e outras formas de entrega (como leasing) de bens e prestação de serviços.
Há, certamente, tributos que incidem sobre outras bases, alguns com finalidade precipuamente extrafiscal, mas são os que foram citados no parágrafo anterior que efetivamente são utilizados para compor as receitas públicas. Na verdade, a maior parte da receita tributária é composta basicamente pelos impostos sobre a renda e o lucro e os impostos sobre transações com bens e prestações de serviços.
No caso específico dos impostos sobre a produção, comercialização e consumo de bens e serviços é possível depreender que a incidência se dá sobre determinadas atividades. De fato, a produção, comercialização e consumo de bens, no seu sentido lato, e a prestação de serviços, são transações dotadas de conteúdo econômico que somente se concretizam por uma ação humana: seja um dar, um fazer ou, o que é muito comum, uma combinação das duas coisas. Alertamos, contudo, que não são todas as transações com bens e serviços que formam a base de tributação dessa espécie de impostos. É necessário, antes de tudo, que essas transações sejam efetuadas dentro de um contexto profissional, ou seja, que estejam inseridas no mercado produção, comercialização e consumo de bens e serviços.
Portanto, é no conjunto de transações, praticadas de forma profissional, de operações com bens e prestações de serviços, que constitui a base de incidência dos impostos sobre consumo. Uma nota característica do sistema tributário brasileiro é que, diversamente da maioria dos países, a tributação desse mercado não é feita de forma exclusiva. De fato, o modelo que foi adotado pela grande maioria dos países para tributar o mercado de bens e serviços foi o IVA, que não faz distinção entre transações com bens e prestações de serviços. Para ser mais exato, a distinção é feita, mas isso não gera nenhum efeito para a determinação da incidência do imposto. Tanto faz se estamos diante de uma transação com um bem ou uma prestação de serviço, pois ambas as atividades serão colhidas pela tributação do IVA.
No Brasil, como a tributação não é exclusiva, é necessário fazer essa distinção. De um lado, o ICMS grava as operações com mercadorias e as prestações de serviços que foram acrescidas à sua base de incidência pela atual Constituição; de outro, o ISS grava as prestações de serviços listados em lei complementar. Contudo, pensamos que, ao menos potencialmente, o ICMS e o ISS devem ser aptos a tributar todo o conjunto de transações do mercado de bens e serviços, ou seja, esses dois impostos devem ser complementares, de forma que a soma dos dois seja equivalente a um IVA.
Essa característica singular de nosso sistema tributário implicou na necessidade de conceituar o que se entende, para fins de tributação, operação com mercadoria, de um lado, e prestação de serviço de outro. E mais, no caso da prestação de serviço, implicou também na necessidade de se conceituar em que consiste o serviço que é objeto da tributação. Essa última providência decorre não somente dos serviços sujeitos à tributação municipal estarem relacionados em lei complementar, mas também no fato da Constituição ter outorgado aos Estados e ao Distrito Federal competência para instituir imposto para gravar as prestações onerosas de serviço de comunicação e as prestações de serviço de transporte, intermunicipal e interestadual.
Insere-se nesse contexto o mercado de comunicação, uma grande e intrincada plêiade de atividades direcionadas ao tráfico de textos, imagens, informações, filmes, músicas. É a comunicação de massa, característica básica da sociedade contemporânea, o objeto desse mercado.
A complexidade desse mercado, os novos modelos negociais que surgem a cada dia, a revolução da internet, implicam em uma grande dificuldade na tributação das operações e prestações que ocorrem em seu meio.
Essa dificuldade teve início com a promulgação da atual Constituição, que outorgou aos Estados e ao Distrito Federal competência para tributar prestações onerosas de serviço de comunicação. Desde então, a doutrina nacional se debruçou sobre a árdua tarefa de definir esse conceito.
2. A delimitação do conceito de prestação de serviço de comunicação pela doutrina
A Constituição não traz elementos que permitam ao intérprete delimitar o conceito de comunicação, como também não permite, a partir do seu texto, definir mercadoria, serviço ou renda. E nem seria propositado tal definição, pois a função do legislador constitucional é dividir as bases de tributação entre as três esferas governamentais, outorgando competência a cada uma para instituir os tributos especificados. Não existe, portanto, uma definição constitucional de prestação de serviço de comunicação.
A legislação infraconstitucional, que em seus diversos planos concretiza a cadeia de positivação, tem relevo na tarefa de construção do conceito de prestação de serviço de comunicação. No caso dos serviços de telecomunicação, há um importante repositório legislativo regulatório que podem auxiliar nesse desiderato. Mas, assim como ocorre na tentativa de delimitar os demais conceitos constitucionais, o intérprete não deve ser limitar aos textos normativos.
A dificuldade tem início na própria definição do que é a prestação de serviço que tem aptidão para a incidência tributária. Comparando a legislação brasileira com aquela adotada pelos países europeus, embora haja previsão da incidência do IVA sobre transações com bens e prestações de serviços, adotou-se uma fórmula que permite solucionar a (cada vez mais) difícil distinção entre esses conceitos: toda transação que não for uma operação com bem ou mercadoria é considerada prestação de serviço.[1]
No Brasil, como alerta Marco Aurélio Greco, “a definição de serviço se dá mediante um critério positivo”. Em outras palavras, é necessário conceituar não somente o que se entende por prestação de serviço, mas, também, definir qual é o serviço que está sendo objeto da tributação.[2]
Isso porque adotou-se, em nosso sistema tributário, uma dualidade na competência da tributação de mercadorias e na prestação de serviços. Para evitar a interpenetração dessas competências, o legislador adotou a técnica da enumeração legal dos serviços sobre os quais incidirão o ISS e, após 1988, aqueles que compõe a base de incidência do ICMS (estes previstos no próprio texto constitucional).
Em síntese, é necessário, primeiro, definir o que é prestação de serviço (trabalho que a doutrina já se ocupou, como demonstrado anteriormente) e, em seguida, especificar qual é o serviço em tela. Somente após essas definições será possível saber se há incidência sobre a prestação e qual a pessoa política competente para tributar.
A noção básica do serviço objeto desse estudo está relacionada à necessidade de realizar a comunicação entre o emissor e o receptor quando esses dois polos estiverem separados espacialmente. Trata-se, portanto, de possibilitar a comunicação a distância, o que normalmente é feito por meio das redes de telecomunicação.
De uma forma geral, as posições doutrinárias, com o acréscimo de um ou mais elementos, entende que o serviço de comunicação consiste na atividade de colocar, de forma onerosa, à disposição do usuário os meios e modos necessários à transmissão e recepção de mensagens.
Nesse sentido, Alcides Jorge Costa diz que a comunicação nem sempre é direta, mas transmitida por terceiros, detentores de meios que possibilitam a comunicação à distância. “Há quem detenha estes meios e os explore, pondo-os à disposição de quem deles queira utilizar-se para comunicar-se com terceiros. Trata-se no caso de serviços de comunicação e são estes serviços o objeto da tributação”.[3]
Na definição acima fica evidenciada outra condição também aceita pela ampla maioria da doutrina, qual seja, de que o serviço seja prestado por um terceiro que não se confunde nem com o emissor nem com o receptor da mensagem.
Essa ideia é desenvolvida com mais detalhes por Marco Aurélio Greco que entende haver, no ambiente comunicativo, uma distinção entre a mensagem e o meio pelo qual ela é transmitida. Ou seja, de um lado temos atividades que tem por conteúdo as mensagens em si e, por outro lado, atividades que tem por objeto a transmissão dessas mensagens. Conclui, com base nessa premissa, “que o critério fundamental para identificação do que configura serviço de comunicação é reconhecer que este só diz respeito ao fornecimento dos meios para a transmissão ou recebimento de mensagens e não ao seu próprio conteúdo”.[4]
Um exemplo pode ajudar a esclarecer esse pensamento. Uma escola tem em sua grade um curso de filosofia para iniciantes que, devido ao grande sucesso alcançado pelas aulas, resolve gravá-las e disponibilizar o seu conteúdo em um portal na internet aos alunos que não tenham condições de frequentar presencialmente as exposições. Os alunos que frequentam o curso presencial pagam um determinado valor por ele. Aqueles que acessam as aulas pela internet, por sua vez, incorrem em dois custos distintos: um para a escola (pelo conteúdo das aulas) e outro para a empresa de internet (pela transmissão das aulas). Na primeira hipótese (curso presencial) há a prestação de um serviço de educação; na segunda hipótese (curso não presencial) temos, além do serviço de educação a prestação do serviço de comunicação.
Esclarece ainda o citado autor a necessidade de não se confundir o “comunicar-se” com o “prestar serviço de comunicação”. Aquele que transmite mensagem a outra pessoa está se comunicando, não está presta serviço a ninguém. Prestador de serviço de comunicação é aquela pessoa que, distinta do emissor ou do destinatário da mensagem, fornece os meios que possibilitam a comunicação, “assim entendidos não apenas aqueles necessários para o transporte das mensagens, mas também aqueles que tornam possível a instauração de uma relação comunicativa, tais como interfaces, dispositivos, equipamentos, etc.”.[5]
Conclui, então, que o prestador de serviço de comunicação será sempre um terceiro na relação comunicativa entre o emissor e o receptor da mensagem, ou seja, aquele que fornece o “ambiente de comunicação”. Dessa forma, quem “tiver um meio próprio e transmitir mensagens próprias, também não estará prestando serviço de comunicação”.[6]
Para Paulo de Barros Carvalho, só haverá prestação de serviço de comunicação quando houver a junção dos elementos constitutivos da prestação de serviços e do processo de comunicação. Conclui, com base nessas premissas, que somente justifica a incidência do ICMS sobre a prestação de serviço que se configure na intermediação onerosa de emissão e recepção de mensagens entre duas ou mais pessoas ou, mais propriamente, no ato em que o prestador coloque à disposição do tomador os meios e modos necessários para que este se comunique com um terceiro.[7]
Para Roque Antonio Carrazza, a redução da ideia em sua dimensão mais simples, leva a considerar que o ICMS “só nasce quando, em razão de um contrato oneroso de prestação de serviços, A (o prestador), valendo-se de meios e materiais próprios ou alheios, intermedeia a comunicação entre B e C”.[8]
Mas, a par dessa aparente simplicidade, o autor impõe outras condições para que seja configurada a incidência do imposto. Alerta, que a incidência do ICMS se dá sobre “a prestação dos serviços de comunicação (atividade-fim); não sobre os atos que a ela conduzem (atividade-meio)” e, por esse motivo, “a simples disponibilização, para os usuários, dos meios materiais necessários à comunicação entre eles ainda não tipifica a prestação do serviço em exame, mas simples etapa necessária à sua implementação”.[9]
A incidência, portanto, somente será possível com a efetiva prestação do serviço, e não sua mera estipulação. E o serviço somente será considerado prestado quando se estabelecer a relação comunicativa, isto é, quando pelo menos duas pessoas, que não se confundem com o prestador, trocam mensagens entre si. É necessário, assim, “que a mensagem seja assimilada pelo receptor, que, captando e compreendendo o sinal enviado pelo emissor, com ele passa a interatuar. Noutras palavras, o receptor deve ter condições de ocupar a condição oposta, vale dizer, de dialogar com o emissor (que, assim, passará a ocupar o lugar de receptor)”.[10]
No mesmo sentido, Humberto Ávila entende que a Constituição não confere competência aos Estados e do Distrito Federal para tributar a comunicação e, tampouco, o serviço de comunicação. A referida competência só surge em seu entender “quando houver ato ou negócio jurídico (prestação) que tenha por objeto o esforço humano empreendido em benefício de outrem (serviço) com a finalidade de criar interação entre emissor e receptor determinado a respeito de uma mensagem (comunicação)”.[11]
Karem Jureidini Dias discorda parcialmente dessa posição uma vez que, além do conteúdo semântico defendido por Roque Carrazza e Humberto Ávila, o termo comunicação, eivado de ambiguidade, pode corresponder também “ao envio de uma mensagem, pelo remetente, apreensível pelo destinatário”. Nessa acepção, “o processo comunicacional pressupõe a ideia de transmissão, podendo ou não ocorrer a interação entre duas ou mais pessoas, mediante canal, veículo próprio para propiciar a comunicação”.[12]
Para a autora citada, qualquer que seja a forma de comunicação, devem estar presentes três elementos para que seja possível a incidência do ICMS: a prestação, o serviço e a comunicação. “A prestação é pressuposto para a tributação dos serviços de comunicação, justamente porque o que se tributa não é a comunicação ou o conteúdo, mas uma prestação específica e onerosa. Pressupõe-se então que haja uma contratação de um serviço, envolvendo esforço humano. E não é só. A contratação é de um serviço cujo objeto deve ser a comunicação. Enfim, deve existir um ato ou um negócio jurídico subjacente, que tenha por objeto o esforço humano para propiciar a comunicação”.[13]
A posição majoritária da doutrina considera, portanto, que serviço de comunicação consiste na atividade de colocar, de forma onerosa, à disposição do usuário os meios e modos necessários à transmissão e recepção de mensagens. Alguns autores acrescentam, ainda, que o conceito de serviço de comunicação envolve necessariamente uma interação entre um emissor e um receptor determinado e a onerosidade diretamente relacionada a essa interação.
3. Crítica a delimitação do conceito de prestação de serviço de comunicação pela doutrina
Entendemos que a posição defendida majoritariamente pela doutrina, no ingente esforço de definir algo tão etéreo como o serviço de comunicação, pecou em tratar como equivalentes os termos “prestar serviço de comunicação” e “colocar à disposição de terceiros meios para que eles se comuniquem”. De fato, os autores que defendem essa linha de pensamento, adotaram essa equivalência como premissa, sem demonstrar, efetivamente as razões que levaram a essa conclusão.[14]
A posição majoritária da doutrina pode ser rebatida pelo prisma lógico-jurídico, como demonstra o estudo acima resumido. Contudo, a nosso ver, o desacerto dessa posição decorre exatamente desse tipo de enfoque, tão a gosto dos autores nacionais. Toma-se, como pressuposto, que o recorte da realidade feito pelo legislador para submeter a tributação determinadas manifestações de riqueza deve passar pelo crivo da abstração lógica-jurídica e, nesse desiderato, faz-se um corte metodológico para separar as diversas manifestações do real, atribuindo-se aos vocábulos a significação que se entende juridicamente adequada para, enfim, traçar os limites do que pode ou não pode ser tributado.
Exemplo típico do método utilizado pela doutrina nacional pode ser observado no trecho a seguir destacado:
A CF/88 empregou a expressão composta de três termos (prestação + serviços + comunicação), determinado que a competência tributária estadual surge com a sua conjugação, e nem chega a existir sem ela; há “prestação” quando houver um ato ou negócio jurídico que tenha por objeto o “serviço de comunicação”; há “serviço” quando houver um ato ou negócio jurídico que tenha por objeto o esforço humano empreendido em benefício de outrem; há “comunicação” quando houver um receptor determinado e uma remuneração diretamente relacionada à interação entre ele e o receptor.[15]
O problema é que, nesse processo, é possível construir modelos muito bem fundamentados juridicamente, mas que, efetivamente, não guardam conexão com a realidade econômica que o legislador pretendeu tributar. Se atentarmos, principalmente, aos critérios adicionados por parte desses autores, chega-se à conclusão que o único serviço de comunicação passível de ser tributado pelo ICMS é o de telefonia, que é o único serviço de comunicação que aos requisitos por eles preconizados. Todos os demais serviços, como a televisão por assinatura e a banda larga, por exemplo, estariam excluídos da definição de serviço de comunicação.
Concordamos que o legislador não foi muito feliz ao escolher como pressuposto fático a ser submetido à tributação a prestação de serviços de comunicação, termo cuja amplitude gera conflitos interpretativos infindáveis. Dentro do modelo definido no sistema tributário nacional, poderia ter sido mais preciso ou, até mesmo, utilizar a técnica estabelecida para as demais modalidades de serviços, sujeitas ao ISS, nominando aqueles que são submetidos à tributação.
Contudo, o fato de ser necessário delimitar o conceito, por demasiado amplo, de comunicação, não pode levar a conclusões desconectadas da realidade econômica que se pretende tributar. É fato que o legislador, ainda na ordem constitucional anterior, procurou submeter as atividades econômicas do setor de comunicação ao crivo da tributação. Que sentido teria, nesse contexto, excluir da incidência do ICMS as atividades das empresas de televisão por assinatura e de banda larga? Há, no mercador, alguém que ponha em dúvida que essas empresas exercem atividade de comunicação? A resposta, por óbvio, é negativa. No Brasil e no restante do mundo essas empresas prestam serviço de comunicação (na modalidade telecomunicação) e, portanto, sua atividade deve ser submetida à incidência do imposto que foi desenhado para tributá-las (ICMS, no Brasil e IVA, nos países que adotam esse tipo de imposto).
Destacamos, contudo, que expomos a doutrina mais recente, que construiu seu entendimento após a promulgação da atual Constituição. Contudo, ainda sob a égide da ordem anterior, Aliomar Baleeiro adotava definição mais ampla, e ao comentar o antigo imposto sobre comunicações, alertava que a única restrição ao exercício da competência impositiva da União referia-se às prestações intramunicipais. “Quaisquer outras que importem em transmitir ou receber mensagens por qualquer processo técnico de emissão de sons, imagens ou sinais, papéis etc., estão sob o alcance do imposto federal, desde que constituam prestação remunerada de serviços”, concluía.[16]
A tarefa de definir serviço de comunicação não é nada singela, pois exige a delimitação de dois conceitos extremamente amplos e, a seguir, a conjugação dos mesmos. Existe, é inegável, um aparente conforto na definição que ora criticamos, pois parte-se de algo conhecido, que é o mais próximo de nossa experiência. Contudo, tomando como pressuposto a espécie (serviço de telefonia) não se consegue uma definição adequada do gênero (serviço de comunicação).
Isso leva a um engessamento conceitual que exclui todas as demais espécies de serviço relacionadas a essa atividade econômica que não são tributadas pelo ICMS, mas, também, não são tributadas pelo ISS, pois não estão expressamente relacionadas em lei (pressuposto para a incidência do imposto municipal). Haveria, por assim dizer, um vácuo de incidência tributária que contraria o princípio da incidência ampla do conjunto de operações e prestações de consumo.
Por esses motivos, preferimos uma definição mais ampla de serviço de comunicação, que está em consonância com a legislação regulatória nacional e também com a experiência internacional.
Para tanto, partimos do conceito de serviço de telecomunicação, espécie mais importante de serviço de comunicação, que se distingue pela existência de uma infraestrutura, física, radioelétrica ou ótica, que torna possível essa atividade.[17]
Nesse sentido, serviços de telecomunicação são todos aqueles relacionados à transmissão, emissão ou recepção de sinais, palavras, imagens, sons ou informações de qualquer natureza por cabo, radio, ou outro sistema eletromagnético. Por seu turno, as demais modalidades de serviços de comunicação são aquelas que também estão relacionadas ao núcleo descrito, mas que não se valem de uma rede de telecomunicação para o desempenho de suas atividades.
4. Proposta de classificação dos serviços de comunicação
Pela posição que adotamos, serviço de comunicação é gênero do qual serviço de telecomunicação é espécie. Ambos têm como pressuposto a existência de um negócio jurídico, sinalagmático e oneroso, cujo objeto consiste em propiciar a comunicação entre ausentes. A nota distintiva do serviço de telecomunicação é que a prestação se perfaz com a utilização das redes de telecomunicações. É possível dividir, portanto, os serviços de comunicação (latu sensu) em duas classes: serviço de comunicação estrito sensu e serviço de telecomunicação.
Entre os serviços de comunicação estrito sensu a veiculação de material publicitário é provavelmente o que desperta maior interesse. Dizemos isso pois o custo com publicidade representa uma parcela significativa dos gastos das empresas e, por isso mesmo, também geram grande interesse para as Administrações Tributárias.
Os serviços prestados pelas agências de publicidade na criação e desenvolvimento de campanhas publicitárias são predominantemente de natureza intelectual e estão sujeitos à incidência do ISS, uma vez que expressamente previstos na lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003.
Contudo, não há consenso na doutrina se a veiculação e divulgação de textos, desenhos e outros materiais de propaganda e publicidade (em sítios da internet; folhetos e encartes publicitários; comerciais em programação de TV por assinatura) é atividade que pode ser considerada como prestação de serviço de comunicação sujeita a incidência do ICMS. A posição a ser adotada depende, obviamente, do que se entende por serviço de comunicação.
Segundo Roque Carrazza, essa modalidade de serviço não se confunde com o de comunicação, “ainda que levados a efeito por empresas ligados ao setor de comunicações”, pois “o que se tributa por meio do ICMS são as prestações de serviços de comunicação, e não as prestações de quaisquer serviços por empresas de comunicação”. Dessa forma, “não tipifica a prestação de serviço de comunicação, seja porque a empresa que a realiza não coloca à disposição de terceiros os meios e modos para que troquem mensagens, seja porque o destinatário não é identificado, seja, ainda, porque não interage com o emissor”.[18] Humberto Ávila, no estudo já citado, também dessa forma, coerentemente, entendem que o ICMS não incide sobre a veiculação de publicidade.
A Administração Tributária de São Paulo entende que essa atividade é classicamente uma prestação de serviço de comunicação, logo no campo de competência impositiva do ICMS. A veiculação publicitária (ainda que se a denomine “inserção”), a título oneroso, constitui e sempre constituiu serviço de prestação de serviço de comunicação, pois tem por intuito justamente possibilitar a comunicação de informações (textos, desenhos e outros materiais publicitários) entre o anunciante e seus receptores.
Quanto aos serviços de telecomunicação, a importância estratégica dessa modalidade levou os mais diversos países a sujeita-los ao regime de monopólio, “considerando as redes de telecomunicações como bens públicos, a justificar exploração imprescindível pelo Estado, em face dos fatores de segurança nacional e do custo financeiro de manutenção”.[19]
No Brasil, a Constituição cuidou de reservar a União a competência para explorar os serviços de telecomunicações, a teor do disposto no art. 21, XI. Até o advento da Emenda Constitucional 8/95, o citado dispositivo prescrevia que a exploração poderia ser feita “diretamente ou mediante concessão a empresas sob controle acionário estatal”.
A reforma constitucional de 1985 alterou essa regra, para permitir à União “explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais” (art. 21, XI).
A reforma do setor de telecomunicações foi finalizada com a aprovação da LGT – Lei Geral de Telecomunicações (Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997) que tem por objetivo disciplinar a organização desses serviços e a criação e funcionamento do órgão regulador.[20]
Assim como ocorreu na Europa, Estados Unidos, e outros países, foi perpetrada no Brasil, com a finalidade de atender o interesse geral de universalização dos serviços de telecomunicações, a transição do monopólio público para a fase de concorrência regulada.[21]
Esses serviços podem ser divididos em três espécies: serviços de telecomunicação que tem por objetivo fornecer os meios adequados para que seja estabelecida a relação comunicativa entre dois polos (telefonia); serviços de telecomunicação que não têm por objetivo estabelecer uma relação comunicativa, mas a transmissão de sons, imagens e informações do polo transmissor para o polo receptor (radio e televisão); e serviços de telecomunicação que tem por objetivo servir de suporte para que se estabeleçam outras relações (internet ou banda larga).
Entendemos que há incidência do ICMS sobre todas essas modalidades de prestação de serviço de telecomunicação exceto, obviamente, nas hipóteses de imunidade constitucional e nas prestações não onerosas.
5. As novas formas de serviço de telecomunicação e a incidência do ICMS
É possível identificar novas formas de serviço de comunicação além das citadas no item anterior? A resposta, a nosso ver é positiva e decorre das novas modalidades negociais advindas com a internet.
De forma simplificada, a internet é um meio de comunicação que possibilita o intercâmbio de informações de toda natureza, em escala global, por meio de uma rede internacional de computadores conectados entre si. A tecnologia que possibilitou o advento da internet é complexa, mas a sua concepção – uma rede mundial de computadores interconectados – é extremamente simples, o que facilitou a sua enorme expansão nos últimos anos.
Por ter se difundido de forma livre, e por não estar adstrita aos limites territoriais de um pais, a regulamentação jurídica da rede não é uma tarefa das mais singelas. Não existe organismo internacional que exerça controle sobre ela, cabendo aos ordenamentos jurídicos internos estabelecer a sua disciplina.
Para que seja possível o acesso do usuário à rede é imprescindível a existência dos provedores de serviços de internet. Esses intermediários praticam um conjunto de atividades que tornam possível não somente o acesso, mas também a prestação de diversos serviços que popularizaram o uso da internet.
Embora muitas dessas atividades sejam oferecidas por um mesmo provedor de serviços, é importante diferenciá-las para determinar qual o imposto que irá incidir sobre a prestação, dado que no Brasil, como já salientado, a competência para tributar serviços é dividida entre Estados (ICMS) e Municípios (ISS).
Mas qual o critério a ser utilizado para diferenciar essas atividades? Além do que já expomos sobre esse tópico, acrescentamos que não há sentido econômico em tributar de forma distinta atividades que competem entre si. Por exemplo, a nosso ver devem ser tratadas da mesma forma a tributação da televisão por assinatura e todos os serviços que tenham, pragmaticamente, o mesmo resultado para o tomador, como o streaming de vídeo.
É claro que as formas de consumo de alguns tipos de bens tiveram uma alteração mais profunda. É o caso das transações envolvendo música que era comercializada com um suporte físico e, depois do advento da internet, passou a ser adquirida por download e por streaming. Nesse contexto, devemos questionar se a alteração tecnológica que modificou a forma como a transação é efetuada pode implicar também na alteração da sua tributação. Se sobre a venda de discos e fitas incidia ICMS, deverá incidir outro imposto (ou não incidir nenhum imposto) se a forma como a transação é efetuada foi alterada?
Entendemos que não, até porque isso poderia implicar em um desequilíbrio concorrencial entre empresas que tem o mesmo objeto, mas usam tecnologia diferente. Qual a razão, insistimos, em tributar de forma diversa a televisão por assinatura e o streaming de vídeo?
Um dos cânones da tributação é a sua neutralidade, ou seja, ela não deve ser um fator de incentivo ou desincentivo de uma ou outra atividade empresarial. Caso isso ocorra, haverá um desequilíbrio concorrencial que trará impactos negativos na economia.
O tema, concordamos, é polêmico, e talvez sejam necessárias alterações legislativas, até mesmo de ordem constitucional, para trazer segurança jurídica a esse mercado. O que não se pode admitir, certamente, é o tratamento tributário distinto de situações fáticas semelhantes.
Luciano Garcia Miguel
Mestre e doutorando em direito tributário pela PUC/SP. Coordenador da Administração Tributária da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo.
[21] TORRES, Heleno Taveira. Direito tributário das telecomunicações e satélites. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 36.